FUTEBOL NÃO É PRA MULHER? QUEM DISSE?

Breve biografia de uma torcedora em quarentena.


Nasci no país do futebol. Engraçado né? A gente que nasceu nos anos 90, viu o Brasil ser pentacampeão mundial em 2002 e lembra claramente dessa expressão, afinal, conquistamos um feito inédito, que até hoje não foi alcançado por nenhuma outra seleção. O que não sabia é que anos depois, mais precisamente em meados de 2006, falar sobre futebol, algo que via como normal, traria inúmeras barreiras ao tentar puxar assunto sobre este tema. 

Os meninos me olhavam com expressão questionadora do tipo: “O que essa menina está fazendo aqui?”. Mentalmente respondia: Eu também nasci no país do futebol, qual o motivo desses olhares? Inocência. Este texto vai contar como o futebol mudou minha vida, mais precisamente o Sport Club do Recife bem como, as consequências de entrar nesse universo.

Fui criada por minha avó, dona Maria Alves, conhecida popularmente como Mariquinha, nascida no dia 13 de maio. Ela sempre falou do Sport em casa, sempre vestia a gente de vermelho e preto, até lembro-me de uma blusinha de crochê que ela fez com as listras verticais da camisa do Leão de 2000. Na época não tínhamos condições de comprar. Acompanhava pouco, não fazia muita questão do futebol, até o Campeonato Pernambucano de 2006. 

Na época, estava na 6ª série, atual 7º ano e todos os meus colegas estavam apostando no campeão estadual do ano, e foi aí que comecei a me interessar pelo Sport. Sempre que me perguntavam pra que time eu torcia, respondia que era o Sport. Porém, comecei a acompanhar o time de fato após uma tragédia que aconteceu em minha vida: O falecimento do meu pai. A forma trágica como isso aconteceu me fez olhar para os lados e perguntar, e agora? Eu tinha 11 anos e não era lá o padrão de menina popular. Tinha poucas amizades. Foi aí que conheci verdadeiramente o Sport. 

A minha família começou a estranhar o interesse por programas como Globo Esporte e qualquer coisa relacionada ao futebol. Torcia para que os jogos do Leão da Ilha fossem televisionados e que conseguisse assistir, mas era raro. Comecei a ouvir jogo pelo rádio, um dos meus primos indicou a 92.7 FM e a 90.3 FM.  Era certo, via Globo Esporte e se tivesse jogo do Sport na TV ou na rádio, eu tentava acompanhar. Tinha até um serviço da Oi no  celular que me alertava por SMS e assim fui acompanhando os jogos do Campeonato Estadual e a Copa do Brasil que conquistamos em 2008. 

No Brasileirão da Série A, a mesma coisa, eu era muito zoada na escola quando o Sport não ganhava, já que havia mudado de colégio indo para um dominado pela torcida do Santa Cruz. Inclusive, para pagar meus pecados, moro próximo ao Estádio do Arruda. Fora que o meu visual não era lá o que chamam de “padrão” feminino; sempre fui muito desleixada com aparência e depois que meu pai partiu, aí que não ligava mesmo.

Chegou o Ensino Médio, fui pra uma escola integral, Escola Estadual de Beberibe. Apesar do medo,  logo me enturmei, pois parecia que aquelas pessoas tinham uma realidade mais parecida com a minha a julgar pelas escolas particulares que estudei.  Quando a rodinha era falar de futebol lá estava eu, sempre presente nas zoeiras, mas o que eu achava estranho era a pergunta que sempre fazem quando uma mulher diz que gosta de futebol: “O que é impedimento?” Caso tivesse ganhado um real para cada vez que um garoto me perguntou isso na escola, estaria rica. Fora que precisava sempre saber esquema tático, novas contratações, regras dos campeonatos e tudo mais, e inocentemente respondia por que não achava nada de mais e eu sabia! 

Passando para o 2º ano, fiz novo amigos devido à junção das duas turmas de 2009, e para os meninos era absolutamente normal eu estar no meio deles, sendo que  os papos eram sobre o Sport. Até então só tinha ido, pasmem para UM jogo na Ilha do Retiro. Minha mãe não era favorável e não tinha ninguém responsável que pudesse me levar, então acabava ficando para trás. Eu também só tinha uma camisa oficial na época, presenteada pela minha madrinha e o restante eram da Torcida Jovem do Sport. 

 


Foto: Acervo Pessoal

 

Voltei a frequentar a Ilha do Retiro em 2011, quando um amigo do meu pai - o mesmo que havia me levado a primeira vez,  me levou. Fomos eu, ele e a filha dele. Semifinal do Pernambucano jogo de ida. Aquele dia foi mágico, nunca vou esquecer. O primeiro jogo de ida da final, foi um fiasco, e só tornei ao estádio no Brasileirão da série B. O jogo foi contra o ABC, e tive permissão graças ao namorado da minha mãe na época. Ainda no Brasileirão da série B, tinham organizado uma chegada ao Aeroporto Internacional dos Guararapes, implorei pra ir, consegui permissão e com mais três amigos, fui para incentivar o Leão, afinal, era o jogo que definiria o acesso à série A de 2012. Também foi um dia inesquecível, apareci em jornais e no outro dia na escola, alguns colegas chegaram para me mostrar. Infelizmente, não os tenho mais, já que meu antigo guarda-roupa se “esfarelou” e perdi alguns pertences. 

Até então, 2012 foi só rádio e televisão, o ensino médio tinha acabado e não tinha mais tanto contato com meus amigos. 

 


Foto: Acervo Pessoal


Em 2013, conheci uma pessoa especial que, finalmente, apesar de todo machismo entranhado na nossa sociedade, ficou feliz em conhecer essa doidinha, que quando vinham entregar algo aqui na portaria, minha mãe dava a referência: “casa da torcedora do Sport.” Então, ao conhecer Heider, juntos fomos a todos os jogos da volta do Campeonato Brasileiro da série B de 2013. Depois conheci o pai e o irmão dele, pessoas que me deram espaço e falamos de futebol abertamente, me sinto parte desta família.

De lá, para cá, não parei mais, incrível como sempre quis conversar sobre futebol com alguém e ser levada a sério, coisa que nunca foi possível. Heider era e ainda é meu álibi, então, consigo ir a todos os jogos possíveis. 

Com meu primeiro emprego e o primeiro salário comprei, adivinhem? Duas camisas oficiais do Sport, pense numa alegria. 

Acompanhei a trajetória do Tri Campeonato do Nordeste, o Nordestão de 2014, indo ao primeiro jogo da final. Antes, só imaginava isso nos meus maiores sonhos.

 


Foto: Acervo Pessoal

Infelizmente nem tudo foram flores, entrei no Cartola FC e todo o preconceito que havia pensado que não existia mais sobre mim, recaiu como um baque. Os mesmos olhares eram agora escritos em palavras ou descritos em áudios. Sofri inúmeros ataques até deixar o grupo no ano passado, isso me deixou sequelas, mas ainda penso em jogar com outros grupos. Chorei bastante, no entanto, fiquei vacinada. 

Em 2016, vi uma postagem no facebook sobre um grupo de whatsapp para mulheres falarem sobre o Sport, deixei meu número e lá, formei amigas para toda a vida. Esse movimento feminino “me deu” pessoas incríveis que me deixam confortável para falar sobre meu clube, futebol e tudo que for relacionado. Esse grupo se chama: ELAS E O SPORT. Obrigada por tudo!

Esse ano, as humilhadas foram exaltadas e fui convidada por uma das administradoras desse Blog, Mari, do Corinthians, a fazer parte dessa equipe maravilhosa e escrever sobre meu time com liberdade, coerência e lugar de fala. Também quero agradecer a vocês por terem me dado esse espaço, que juntas possamos cortar todas as raízes do machismo, racismo, LGBTFOBIA e todo preconceito, afinal, futebol é político sim! 

Eu, agora adulta, entendo que toda essa trajetória serviu para que outras meninas pudessem ter a liberdade de torcer, gostar e jogar futebol, afinal este é o país do futebol, não é? Ainda tem muito a ser feito, mas acredito que chegaremos lá.

A todas as minhas parceiras que escreveram textões comigo no blog: Aniele, Rayssa, Jess, obrigada pela paciência. 

 



Nesse longo caminho conheci muita gente incrível, não pensem que esqueci só porque não coloquei os nomes. E aos que me disseram quando tinha 11 anos que seria só uma fase e que futebol não é assunto de mulher, estou aqui firme e forte com 24 anos, 25 camisas e eternamente apaixonada pelo Sport Club do Recife.

Dedico este texto a todas as “Jogadeiras”, afinal, futebol é pra mulher sim.

Por: Rannyelle Barbalho, torcedora e colunista do Sport Club do Recife.