O GIGANTE ALCINO: O início difícil do rei das cabeçadas, irreverência e ícone inigualável para uma das maiores torcidas brasileiras

 

“Tudo em torno de mim é lenda. A realidade são meus gols”.

(Alcino)

 

O INÍCIO DIFÍCIL

No dia 24 de março de 1951 nascia Alcino Neves dos Santos Filho, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Alcino morava no Irajá (Bairro suburbano do Rio de Janeiro). Moravam a mãe Djanira, o pai Alcino Neves, Alcino filho e mais três irmãos. Eles levavam uma vida difícil, numa casa de alvenaria onde viviam aperreados. Os Alcinos não tinham uma relação muito boa. Eram frios e tinham pouco contato, mas a perda do pai em seus braços com apenas 13 anos de idade, foi traumática.

Alcino preferia jogar bola do que estudar, matava aula para encontrar os amigos e praticar o esporte em qualquer lugar que desse. Música, dança, futebol e mulheres com apenas 14 anos e mais de 1,75m já eram suas grandes paixões.

 

A APRESENTAÇÃO DO MAU QUE FICOU A VIDA TODA

Alcino que só jogava em campinhos improvisados ou em qualquer lugar que deste, se atrapalhava nos seus próprios pés, e ainda não tinha muito talento com a mesma.

Ele era muito curioso e ingênuo, aos 15 anos foi apresentado ao cigarro de maconha, o fumo lhe causava um efeito diferente no corpo, o deixava com uma disposição acima do normal e atenção elevada. Apesar de seus “amigos” terem lhe oferecido outras drogas como LSD e cocaína, Alcino preferiu ficar só na maconha, este vício que levou pra vida toda.

 

DO MADUREIRA AO ASSALTO

Alcino começou a jogar futebol de campo no Madureira Esporte Clube, no recreativo dos juniores. Ele não trabalhava e nem estudava, não cumpria horários e regras.

Até que seu irmão o levou para o Madureira Atlético Clube, onde passou na segunda peneira. Jogava e fazia seus gols no torneio de juvenis que o MAC participava, até que um olheiro do Flamengo o viu jogar. Moleque altíssimo, forte, ótima arrancada e cabeçadas, não hesitou e o levou para o juvenil do Flamengo, foi apresentado no mesmo dia ao elenco de base do time Rubro-negro.

Alcino começou a faltar os treinos e fazer pouco caso sobre o que diziam do seu futebol, ele brigava por bobagens e acabava saindo. Passou também pela base do Fluminense e do Botafogo apenas para treinar, não disputou nada e sabotava as oportunidades que tinha, Alcino perdia para ele mesmo.

Aos 19 anos, retornou ao MAC. Ele já tinha desempenho de grande jogador, aperfeiçoou seus cabeceios, suas finalizações e seus passes. Ao sair do MAC foi para o Olaria Atlético Clube aonde tinha um técnico muito exigente e que pegava no pé de seus atletas, mas Alcino chegava atrasado fedendo a álcool e cigarro, o suficiente para o treinador (Jair Rosa Pinto, que jogou no Vasco, Palmeiras e Flamengo e também foi titular na Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1950) exigir o desligamento imediato de Alcino da equipe, o que causou péssima fama a ele, que não conseguia jogar em nenhum time, era rejeitado em todos.

A única “solução” que encontrou para se manter foi roubar. Alcino e mais um parceiro roubaram um taxista português, só queriam o dinheiro e o carro para poder dar voltas na cidade, mas ele não sabia que seria perseguido por conta deste ato.

Ele também fazia pequenos furtos em Madureira, mas “malandrão” e bom de “lábia” do jeito que era, acabava se safando e saia impune.

 

O RECOMEÇO

O Remo precisava de um camisa nove, que fosse artilheiro. Com a saída de Amoroso, o clube começava a busca. Francisco de Assis, que para Alcino se tornou “padrinho”, jogou no Remo na década de 60, era o quarto zagueiro e depois chamou atenção de outros times, como o Fluminense, por exemplo.

Um supervisor Remista, chamado Gilvandro, foi ao encontro de Áureo e chegaram até Assis querendo que ele indicasse ou soubesse de algum atleta com N qualidades. Assis respondeu: “eu  conheço um jogador alto, forte e que cabeceia muito bem”.

Foram buscar Alcino em casa, a mãe Djanira, só queria que ele tomasse jeito. Ele estava muito feliz por poder ir para outro local onde poderia recomeçar sua vida, jogar futebol e ainda por cima ganhar por isso. Era o que sempre sonhava.

 

“Em 7 de novembro de 1970, desembarcou no aeroporto Val-de-Cães, em Belém do Pará, o Gigante do Baenão. Mulheres, goleiros e bicolores, preparem-se: o matador chegou!”

(Trecho do livro “Alcino. Negão Motora. A história do Gigante do Baenão”)

(Mauro Tavernad)

 

CLUBE DO REMO: O MITO ALCINO

(Foto: Ednólia Corrêa)

Aos 19 anos, completamente sozinho em uma cidade que não conhecia ninguém, mas com vontade de fazer tudo diferente, para poder ajudar a mãe, fazendo o que mais gostava: jogando futebol.

O Clube do Remo queria aproveitar o ritmo do bicampeonato da Copa Norte (68 e 69) e conquistar a taça de Campeão do torneio Norte e Nordeste, já que foi duas vezes Vice-Campeão, perdendo para Sport e Ceará.

Alcino era tímido e queria ficar sozinho, mas aos poucos foi conquistando todos os colegas e a equipe técnica.

No dia 22 de novembro estreou antecipadamente no Remo, contra a Tuna, na Curuzu, o mandante que escolheu este local. A equipe azulina entrou em campo com: Jorge; Mesquita; Nagel; Pinheiros e Lúcio; Sirotheau e Carlitinho; Elias, Mimi, Alcino e Neves.

Alcino era ligado à irreverência e neste jogo deu, sem querer, uma cabeçada no goleiro do time adversário resultando, para ele, em 12 pontos. Alcino fez um belíssimo gol e o jogo terminou em 1x0 para o Clube do Remo.

O Negão ainda não tinha jogado contra o maior rival Azulino. Após um tempo fazendo amistosos, chegou o dia do Clássico Rei da Amazônia. A equipe bicolor vinha de uma goleada de 3x0 e almejava ganhar o rival para poder sair do início da sua crise. Mas não contavam com o gigante elemento surpresa que viria pela sua frente.

A partida ocorreu na Curuzu sob muita chuva e com um público de pouco mais de 13 mil pessoas. O jogo acabou empatado em 0x0, resultado válido para duas equipes já que a arbitragem era muito desconfiável e o gramado estava um verdadeiro lamaçal.

Com a sequência no Paraense, Alcino e o restante da equipe azulina iam de vento em poupa, a delegação azulina teve até uma excursão pelo Caribe, com seis vitórias, um empate e uma derrota, marcando onze gols. E Alcino sempre sendo o melhor na partida, a cada jogo fazia o seu gol.

 

VIVENCIANDO A RIVALIDADE E AS IRREVERÊNCIAS DE ALCINO

(Foto: Ednólia Corrêa)

Voltando ao Campeonato Paraense, o Negão sentiu e assumiu a rivalidade contra o Paysandu, a torcida Bicolor estava tão desesperada que chegaram a fazer mandingas e despachos. Até um urubu com o símbolo do Remo foi arremessado diante do gramado.

Entre umas situações de Rexpa, Alcino deixou tudo igual no 1x1 e na comemoração muito exaltado rasgou o shorts (ele estava sem cuecas) e mostrou as genitálias para a torcida bicolor. Todos os jogadores e torcedores rivais ficaram enfurecidos. O árbitro não viu o lance e mandou seguir a partida, a fúria da torcida fez com que fosse arremessados pedras e garrafas em direção dos gramados. Mas o Remo acabou ganhando com gol de Leal que entrou no 2T dando o título do 2º turno para o Mais Querido. Alcino não podia mais sair nas ruas sem um certo cuidado porque o “Rexpa das garrafadas” ficou marcado e não o perdoavam. Ainda mais que Alcino participou do primeiro grande Tabu em cima do Rival, 24 jogos sem perder, que durou até março de 1976.

Ele era aclamado e conquistava ainda mais os torcedores, mesmo os que não concordavam com o seu extra campo. Ele ia, aos poucos, fazendo a sua e história e entrelaçando junto à história do Clube do Remo.

 

GANHANDO DE ZICO EM 1975

(Foto: Ednólia Corrêa)

Paulo Amaral era o nosso técnico e estava enfurecido por ver como a mídia carioca tratou a equipe azulina ao chegar no Rio de Janeiro, isso só dava mais “sangue nos olhos” e a vontade de vencer aumentava gradativamente. Amaral usou toda sua experiência como preparador físico da Seleção Brasileira, e treinador de Botafogo-RJ e da Juventus-Itália, comprou vários exemplares e colou nos quartos dos atletas Azulinos, que obviamente ficaram muito chateado pelo desrespeito, menos Alcino, que estava tranquilo e disse “deixa que eu resolvo”.  Assim como Alcino, Dico também brilhou fazendo defesas incríveis.

Até esse dia, nenhum time do Pará havia triunfado tal ato. Ganhando de 2x1 do Flamengo de Zico, Júnior e companhia no Maracanã, e fazendo com que à torcida jogasse no gramado pilhas, garrafas, sandálias. Pois estavam indignados com o “vexame” do time carioca.

E aí meu amigo, aí que o Negão foi cobiçado por Corinthians, São Paulo e Grêmio e até mesmo o Barcelona, mas o empresário e o clube não entraram em acordo financeiro e ele acabou não indo.

 

BELÍSSIMA FASE E VÔOS MAIS ALTOS

(Foto: Ednólia Corrêa)

Em fase extraordinária, o Gigante, teve inúmeras oportunidades de encontrar alguns times que queriam. Mas, o sul do país envolveu seu coração, sendo assim, Alcino chegou no Grêmio.

 

GRÊMIO - RS

(Foto: Ednólia Corrêa)

Entre Corinthians, Sport e Flamengo, Alcino optou pelo Grêmio e foi uma das transações mais caras (850 mil cruzeiros) da década de 70 no futebol nacional, tendo até destaque no Fantástico.

O Negão chegou em Porto Alegre e foi recepcionado por duas mil pessoas. E ele sentiu ao chegar no Grêmio pois teria que disputar vaga de ataque com outros nomes, como: Zequinha, Júlio Cesar, Chico e Ortiz, pois não era mais o “maestro” do time, como no time Paraense.

O Grêmio passava por uma situação delicada e foi a Florianópolis querendo vitória. Na estreia do técnico Telê Santana, Alcino marcou um golaço após o passe recebido de Iura. A partida foi válida pelo Brasileirão em 1976. Telê foi algoz de Alcino e tinha o atleta como alvo preferido.  Quando surgiu a oportunidade, ele exigiu a demissão do Negão, alegando que o extracampo era muito forte.

Antes de deixar o Grêmio, ele jogou pela última vez em 24 de outubro, a vitória veio em cima do Botafogo por 1x0 no Maracanã. É péssimo que só ele, tenha ido cumprimentar o seu ex técnico na época do clube do Remo, Paulo Amaral que era técnico do Botafogo, pedindo desculpas por “deixá-lo sem emprego”. No dia seguinte, Paulo foi demitido do Time Alvinegro carioca.

 

PORTUGUESA - SP

Alcino assinou com a Lusa no dia 24 de março de 1977. Ele precisava de trabalho, pois logo seu filho iria chegar.

Alcino teve dificuldades de salários com o Grêmio, pois o clube estava em crise. Já a Portuguesa, tinha a fama de pagar os salários em dias. Ele era o que a Lusa precisava, virou destaque na sua chegada e o seus 1,90m bombou nos noticiários.

A campanha do Portuguesa era regular na época, queria respirar na tabela e fazer a alegria do seu torcedor.

Em 1977 o Portuguesa ganhou do América de Natal, no Pacaembu, quando Alcino recebeu um bolão de  Baldeco no meio campo. Alcino estava de cabeça erguida e viu que a meta estava vazia e não deu outra, chutou de cobertura, uma belíssima pintura, que nem o Rei o Pelé fez.

 

OUTROS CLUBES

Ele teve passagens pelo Atlético Goianiense(1979), Inter de Limeira (1980) e Bangu (1981), Paysandu (1981) (onde disse que iria se lhe pagasse bem, o seu salário foi maior que 20 mil cruzeiros e com direito a apartamento bancado pelo clube. Mas Alcino não era feliz em vestir o azul celeste), Santa Cruz (1982),  Rio Negro-AM (1983 e 1984), Marília-SP, Sampaio Corrêa-MA, América-RN (1983), Campo Grande-RJ (1984), Vila Nova-Go (1985) e Uberaba-MG (1986).

 

UMA PESSOA COMUM

Alcino voltou ao Irajá-RJ com quase nada de dinheiro, após 17 anos de carreira, se desfez ou vendeu tudo o que lhe restava. Em 1988, se mudou para Caxias (RJ) e foi ser serviços gerais, fazia bicos em festas, jardinagem, carregamentos de cargas, para poder se sustentar.


 

A VOLTA A BELÉM: O REMISMO E O TRISTE FIM

(Foto: Ednólia Corrêa)

Após ter se separado e ter voltado pro RJ, Alcino decidiu voltar a Belém. a permissão foi concedida junto com a polícia por Ednólia Corrêa (ex mulher).

Alcino em Belém em 1990, deixava o Remismo falar mais alto, ia a jogos, frequentava o estádio Evandro Almeida (Baenão) para estar junto com o Clube do Remo, ele até ganhou uma carteira pela FPF para pode assistir qualquer partida do clube literalmente de graça.

Passou por momentos muitos difíceis de chegar até mendigar, dormir de porre e sujo por qualquer lugar, várias pessoas o ajudaram, lhe ofereceram emprego, casa, comida.

Em outubro de 2005, Alcino sentiu muitas dores e foi procurar ajuda. Ele foi diagnosticado com câncer nos ossos. Em 20 de julho de 2006 por contas de complicações veio a óbito, aos 55 anos.

Alcino não soube administrar todo o dinheiro que ganhou, sobreviveu de donativos e morreu só. Mas nada disso apaga o quão gigante, em todos os aspectos, Alcino foi. Ele está entre os grandes na história azulina, com todas as suas arrancadas, cabeceios, peripécias e irreverências e é claro, os seus gols. Alcino é um dos maiores artilheiros do Clube do Remo, e é tão querido por todos que também se encaixa entre outros vulgos do Clube do Remo como: Leão de Antônio Baena, Filho da Glória e do Triunfo, O Mais Querido, o Clube de Alcino.

 

Alcino Neves dos Santos Filho é com toda a certeza o ídolo e ícone inigualável para uma das maiores torcidas brasileiras, a Maior do Norte: O Fenômeno Azul!

 

(Foto: Mauro Tavernad)

Queria agradecer imensamente ao querido jornalista esportivo, autor, Remista e amigo Mauro Tavernad por ter tirado todas as dúvidas sobre o grande Mito. E dizer o quão é maravilhosa a sua obra “Alcino Negão Motora, a história do gigante do Baenão” é recomendada para Remistas, Não-Remistas, para apreciadores e para aqueles que ama o futebol.

 

Mariana De Moraes.