O MILAGRE DE MONTSERRAT

Nem só de gols vive um time! Aliás, foi justamente por evitá-los, que Rodolfo Rodriguez deixou seu nome cravado na história do Santos FC. Nascido em Montevidéu (URU) em 20 de janeiro de 1956, atuou pelo Peixe de 1984 à 1988.

Eu não era nem projeto quando ele chegou! Tem ideia de como foi mágico pesquisar sobre esse mito? Na verdade, tenho uma paixão por essa posição, uma das mais cruéis e privilegiadas no futebol; Solitária e de uma possibilidade incrível de observação, leitura de jogo que nenhuma outra posição oferece.

 



Tudo começou...


...em 1976, quando iniciou sua carreira no Cerro (URU), equipe que defendeu por dois anos até chegar no Nacional de Montevidéu, onde foi campeão da Libertadores  e da Copa Intercontinental, além de ter vencido o campeonato uruguaio por três vezes.

Em 1981, defendendo a Seleção Uruguaia  no Mundialito contra a Seleção Brasileira, teve uma atuação impecável fechando o gol, chamando assim,  a atenção do Santos FC.

Detalhe: a Celeste foi campeã, com grande colaboração de Rodriguez.




Campeão do Mundialito em 1980, com a Celeste. (Foto: Reprodução/Internet)

 


Uma curiosidade sobre essa contratação: o Santos, naquela época, não tinha dinheiro para contratar um goleiro da categoria de Rodolfo Rodriguez. O valor foi emprestado ao Peixe pelo rei Pelé, e o uruguaio não decepcionou, valeu o investimento.




O MILAGRE!


Berço de craques, templo do futebol mundial, no dia 14 de julho de 1984, a Vila mais famosa do mundo foi palco de  uma das sequências de defesas mais incríveis da história do futebol. Referência toda vez que se fala em grandes goleiros, Rodolfo Rodriguez fez, contra o América de Rio Preto, uma série de defesas que ficariam marcadas na história do Peixe. Foram cinco defesas consecutivas no total.

 



                            "A primeira defesa foi um chute de fora da área, a cerca de trinta metros do gol. Rodolfo estava posicionado mais para o meio e foi surpreendido quando a bola atirada pelo zagueiro Jorge Lima, do América, escorregou no terreno arenoso e desgastado da Vila Belmiro. O uruguaio teve de se esticar todo para o canto esquerdo para tocar na bola, prensando ela junto à trave. Depois de bater no poste, a bola voltou para a pequena área.
                        Outro jogador do América, o ponta-direita Formiga, entrou de carrinho na jogada. Rodolfo Rodriguez reagiu rápido e conseguiu chegar na bola simultaneamente ao adversário. Para a surpresa de   todos, incluindo o goleiro, a bola não estava dentro do gol. Assim que virou o rosto para o centro do campo, Rodolfo viu o centroavante Tarciso pronto para finalizar a jogada e fazer o gol do América. Não tinha como errar. O rapaz estava a três passos de um gol de mais de sete metros de comprimento. E Rodolfo de joelhos. O goleiro revelou então um reflexo extra para pairar no ar, como um bailarino.
No momento em que o adversário tocou na bola, o uruguaio já estava em movimento, com os braços abertos. A bola bateu no goleiro gigante e voltou para fora da grande área, tal a força dada no chute pelo jogador do América, certo de que seria capaz de mandar o santista com bola e tudo para dentro do gol."
                                                                                                                                                                                         (Trecho do livro: GOLEIROS Heróis e Anti-Heróis da camisa 1/ Paulo Guilherme)



Com o Peixe, viveu ainda dois momentos, digamos, diferentes. Em 1985, durante um jogo contra o Marília, após tomar um frango, foi aplaudido pela torcida alvinegra, reconhecimento ao seu esforço já que, mesmo machucado, não deixou de atuar naquela partida. O uruguaio ainda experimentou a sensação de enfrentar a própria seleção na decisão da Copa Kirin. Na oportunidade, ajudou o Santos a vencer por 4 a 2, garantindo a taça no torneio japonês.

 




Ídolo santista, Rodriguez defendeu o Peixe de 1984 a 1988
(Foto por Acervo Santista)


 


O que faltou...

Pela Seleção Uruguaia, o grande momento de Rodolfo Rodriguez nunca aconteceu. Como a Celeste não conseguiu se classificar para a Copa de 82, 86 era sua chance de brilhar, e em 85 ajudou a Seleção garantir sua ida ao México. Chegou à Copa do Mundo no auge da carreira, e liderava o forte elenco da Celeste, tida como favorita. O goleiro, no entanto, sequer pôde entrar em campo. Sofreu uma lesão às vésperas do torneio e assistiu a tudo do banco de reservas.
A Seleção Uruguaia acabou derrotada pela Argentina, e deu adeus ao Mundial nas oitavas de final.
Depois disso,  encerrou a sua carreira na seleção. Despediu-se com 78 jogos oficiais - recorde só quebrado por Diego Forlán em 2011 – e 54 deles como capitão, marca superada por Lugano, também em 2011.

 

Rodolfo passou mais dois anos no Santos, como ídolo absoluto, antes de tentar a sorte no Sporting. Depois de duas temporadas em Portugal, ainda defenderia a Portuguesa e o Bahia.



"Gravou aquilo ali?"


Em 1993, uma partida entre Cruzeiro e Bahia ficaria marcada na carreira do goleiro. Um certo menino, no auge dos seus 17 aninhos, o faria protagonizar uma das cenas mais inusitadas do futebol. Aos 40' do segundo tempo, com placar já definido para o Cruzeiro, após defender um chute, Rodolfo "esqueceu" a bola no chão, Ronaldo (que ainda não era o fenômeno) se aproveitou da distração do arqueiro e mandou para o fundo das redes, o quinto gol dele naquela partida. Ao sair de campo, perguntou ao repórter se tinham gravado o gol. É claro que sim, e até hoje não entendemos como o goleiro fez aquilo.


Aos 38 anos, era o momento de parar. Com uma carreira de sucesso e coroada por títulos por onde passou, Rodolfo encerrou sua trajetória no futebol em 1994. Quando se aposentou, voltou ao Uruguai para realizar o seu sonho de criança, formando-se em Direito.

 

Uma carreira vitoriosa...


Ao todo foram mais de dez títulos, entre os quais podemos destacar:
Uma Copa Intercontinental (Nacional/1980);
Três Campeonatos Uruguaios (Nacional/1977, 1980, 1983);
Uma Libertadores (Nacional/1980);
Um Mundialito(Seleção Uruguai/1981);
Uma Copa América: (Seleção Uruguai/1983);
Um Campeonato Paulista (Santos.FC/1984);
Dois Campeonatos Baiano (Bahia/ 1993, 1994).


Em 29 de dezembro de 2009, foi eleito jogador símbolo do Santos no período 71-90. A torcida foi convocada para escolher os melhores atletas do clube em quatro momentos distintos. Em 18 de julho de 2010, foi homenageado pelo Santos com o Defesa de Placa, pelo milagre em 84.

 




Homenagem do alvinegro a Rodriguez pelo “milagre” de 84!
(Foto: Acervo SantosFC)




Como santista apaixonada, confesso que, apesar de ouvir falar dos feitos de Rodolfo Rodriguez, nunca havia de fato estudado sobre ele.  Fiquei encantada, não só pelo goleiro espetacular que foi por onde passou, não só por ter trazido tantas alegrias à nação santista antes mesmo de eu nascer. Me encantei pela inteligência e visão de quem trabalha "sozinho" e consegue ver o que nenhum outro jogador em campo é capaz. Trazendo isso para fora de campo, como aprendizado de vida, de quem "estuda" a situação vista de fora, e talvez, só talvez, tenha uma possibilidade maior de encontrar a solução do problema.



 “Ser goleiro forma uma personalidade diferente. Está sempre sozinho, observando, esperando o que vai acontecer. É complicado sobreviver nessa posição. Mas goleiro tem tempo para observar e analisar o que está acontecendo, tem panorama geral. E isso pode ser levado para a vida fora do campo”   (Rodolfo Rodriguez)


 


Por Andra Jarcem, com o Santos onde e como ele estiver.