O QUE OS OLHOS NÃO VEEM, O CORAÇÃO PODE SENTIR

 

Pré jogo com amigos

(Foto: arquivo pessoal)

 

Minha história com o futebol vem desde muito pequena. Por volta dos meus 7 ou 8 anos eu já adorava ficar na frente da televisão assistindo a todos os jogos, independente do time, campeonato ou divisão, até porque, eu não entendia muito bem. E não existia um time de coração, o futebol em sI já era minha grande paixão.

Eis que entra em cena o grande responsável pela minha loucura pelo Grêmio Esportivo Brasil, meu pai. Ele, torcedor fanático aproveitou minha adoração pelo futebol e me incentivou a ser uma torcedora não só de televisão, mas de estádio e com um time para chamar de meu.



Minha primeira camisa do GEB - 1998

(Foto: arquivo pessoal)

 

Bom, não sei se vem ao caso mas o meu pai era na verdade meu padrasto, mas mesmo assim, sempre foi MEU PAI.

Logo começamos a frequentar o Estádio Bento Freitas, casa do Brasil. Foi lá que vimos muitas histórias de dois amigos torcendo pela mesma paixão. Histórias boas, não tão boas, engraçadas, enfim..

Lembro que ele sempre saía com um dinheiro a mais que juntava durante a semana, pois eu sempre queria tudo: pipoca, amendoim, refrigerante, picolé. Às vezes, assistir aos jogos era o de menos, ganhar mimos e estar ao lado dele era meu programa favorito.

Adorava quando sentávamos na sala e ele me explicava as regras do futebol, eu aprendi tudo, eu prestava atenção, me interessava e aquela inteligência dele me encantava.

Os anos foram passando e as coisas não ficaram tão bonitas assim. Meu pai possuía diabetes e com o tempo perdeu 100% da visão de um dos olhos,  ficou um pouco mais díficil ver os jogos, mas seguíamos nós, firmes e fortes na Baixada ou em jogos fora da cidade de Pelotas. Logo em seguida, a visão do outro olho começou a ficar mais debilitada e no fim das contas, depois de tanto tratamento, laser sem sucesso, eis a perda de 40% da visão. Ou seja, o nosso Xavante era visto apenas com 60% e ainda assim com óculos para ajudar.

Eu comecei a entender as dificuldades que um deficiente visual passa no dia-a-dia, nos jogos era um calçada mais alta que a outra, subir nos degraus era difícil sem a minha ajuda, saber quem vestia a camisa 11 sem eu falar era impossível, substituições sem som. Complicado. Mas graças ao bom e velho radinho de pilha, ele podia acompanhar sem enxergar muito bem. E eu? Descobri uma profissão nova: Narradora. Eu contava tudo o que se passava nos jogos, os amigos que o cumprimentavam e ele sempre perguntava: Quem era? Na hora de ir embora, o cuidado com ele era dobrado, não queria que ninguém o machucasse.

Por último ele mesmo desistiu de ir, aquilo já estava o incomodando e eu não poderia ir sem o meu pedaço, era como ir ao jogo do meu time com a camisa do rival, me sentia perdida. Então dia de jogo, fazia umas pipocas e um bom chimarrão para ouvir no rádio e confesso que senti falta do estádio, mas estar ao lado dele compensava.


Meu par

(Foto: arquivo pessoal)

 

E então chegou julho de 2009, e Deus o quis pertinho dele. E eu tive que encarar aquele estádio vazio, sim, vazio. Os primeiros jogos foram os mais difíceis da minha vida, pensem vocês: Pra quem eu iria falar mal do ataque? Da troca de treinador? Discutir se o jogador estava impedido ou não? Lamentar uma derrota e o pior, comemorar uma vitória ao nosso estilo.

Até hoje, nove anos depois, eu sinto falta de alguém do meu lado na arquibancada, eu tinha muito ainda para aprender, mas Deus gosta de pessoas boas ao seu lado e ele escolheu a melhor que eu conheci.

Obrigada por todos ensinamentos sobre futebol, por ter passado toda essa paixão pelo Brasil para mim, por me fazer dar aula em muito marmanjo quando tentam achar que sabem mais, por me mostrar que o meu lugar é onde eu quero e eu quero estar vendo o Brasil jogar com a tua presença sempre na minha memória.

Muito obrigada, pai. Nunca será só futebol!


Minha melhor recordação

(Foto: arquivo pessoal)

 

Por Bruna Porto