PAIXÃO DE PAI PARA FILHA

 

Meu pai era apaixonado por esportes. Acordava aos domingos, de manhã, para assistir Fórmula 1. Me acordava nas madrugadas para acompanhá-lo nas transmissões das lutas de boxe. Era amante de vôlei, como todo bom mineiro. Ainda tinha gosto por basquete e tênis. Assim cresci. Ao seu lado, no sofá, compartilhamos jogos surpreendentes, vitórias maravilhosas e derrotas amargas.

Dele, herdei meu time. E sua coleção de camisas, que fiz questão de guardar comigo. Ninguém mexe naquele autógrafo do Milagres ou naquela camisa de mangas compridas da Copa Sul Minas do ano 2000. "Primeiro Campeão do século XXI", ele adorava dizer, com toda alegria.

(Foto: Arquivo Pessoal)

Tinha orgulho do América-MG de 97, quando comemorou nosso primeiro título da Série B, com fogos que ecoavam na vizinhança e me jogando ao alto, com apenas 6 anos. Com 10, a vitória na Sul Minas, contra o Cruzeiro, no Mineirão, já me via carregando nas veias o verde e preto que me foi destinado.

Em 2004, um presente que JAMAIS vou esquecer. O Mineirão receberia o clássico Brasil e Argentina e joguei um papo pra ver se poderíamos ir. Ele me deu todas as desculpas possíveis. "Filha, uma quarta-feira, o jogo acaba tarde, tem aula, trabalho, deve estar caro também, vamos ver em casa mesmo". Me conformei sem me conformar muito. O instinto de uma escorpiana não falha. Chegou segunda-feira, nada. Terça-feira, nenhum comentário. Pensei comigo "é, ele não vai mesmo". Papai tinha costume de sempre avisar tudo com antecedência, se programar.

Lembro como se fosse hoje, de cada detalhe. Quarta-feira, 13h. Cheguei da escola, almocei e minha mãe recebe uma ligação. "Filha, seu pai quer falar com você...". Respondi a ela: "Não, mãe, não é possível...", totalmente incrédula. Ela, claro, não entendeu nada. Atendi e ouvi "Filha, eu consegui, tá na minha mão". Não sei se chorei mais aquele dia ou agora escrevendo isso. Sabe quando uma pessoa é maravilhosa? O papai era assim.

Foi meu primeiro jogo no estádio, com 3 gols do Ronaldo Fenômeno, lavamos a alma xingando até a 15ª geração do Sorín, e essa lembrança é só uma de milhares que amo recordar. No Independência, são incontáveis casos do "patrão", como era chamado pelos guardadores de carro. As aventuras de moto, a arquibancada de cimento do nosso antigo estádio e os elencos mais sofríveis que tanta raiva nos fizeram.

Depois de anos, me dei conta que meu pai foi meu grande incentivador nisso tudo. Nunca me criticou, não foi machista,  pelo contrário, me apoiou em todos os momentos. Era falho, mas tinha centenas de qualidades. Só tenho a agradecer a ele - e a minha mãe, meu outro exemplo de pessoa - por absolutamente tudo. Inclusive por ter me passado essa herança, de amar a essência do esporte, do futebol e do Coelho.

 

Por Rayssa Rocha