Precisamos falar sobre o time brasileiro que age verdadeiramente como “Clube do Povo”

 

Esporte Clube Bahia vem dando aula de como agir 

 

Muitos times utilizam o substantivo coletivo povo para aproximar-se da classe. Criados por e para pessoas simples, eles acreditam que isso seja suficiente para incluir as classes sociais mais baixas. No entanto, isso não basta!

Ingressos baratos. Mesmo que significativos na hora de fazer aquela família que vive com um mísero salário mínimo conseguir frequentar o estádio de futebol, não são o único estímulo que precise partir dos clubes. Há muito mais a ser feito, e o Esporte Clube Bahia está aí para ensiná-los. 

Não é nenhuma novidade que o Tricolor seja o mais representativo neste aspecto. No seu comando, há um técnico negro que — no seu tempo livre — dá aula aos desinformados. Em entrevista coletiva no mês de outubro, Roger Machado deixou todos boquiabertos ao trazer inúmeros dados, contar a história, questionar e falar sobre ele: o preconceito, o racismo.

 

Encontro entre Roger e Marcão, únicos técnicos negros da Série A,

que ocorreu antes da aula que o professor deu a todos nós

(Foto: Thiago Ribeiro/Agif/Folhapress)

 

Todos os olhares se voltaram ao Bahia, afinal, é uma questão social. E, como Roger expôs: precisamos falar sobre ela. Precisamos tentar responder as perguntas que ele fez mentalmente, um exercício de consciência:   

— Se não há preconceito no Brasil, por que os negros têm um nível de escolaridade menor que os brancos? Por que a população carcerária é 70% negra? Por que quem mais morre são os jovens negros no Brasil? Por que os menores salários entre brancos e negros são para os negros, entre as mulheres são para as negras? Entre as mulheres, por que quem mais morre são as mulheres negras?  

Não sei exatamente quando o Bahia começou a representar a nossa história. A história do Brasil. País onde mais de 50% da população é negra, como Roger expôs em sua explicação deveras didática. 

Lembro que, no ano passado, o tricolor homenageou 20 personagens negros que foram importantes para a história do povo brasileiro por meio de um uniforme que expressava tais nomenclaturas. À época, a saudação fazia alusão ao mês nacional da Consciência Negra, comemorado em novembro:

— O período é dedicado à reflexão sobre a inserção do povo negro na sociedade brasileira e a data exata foi escolhida por coincidir com a morte de Zumbi dos Palmares, em 1695 — disse o clube. 

São campanhas lançadas em prol da igualdade, no dia internacional da menina, uma pequena ação, expressando a voz que devemos ter, mostrando que o Bahia está do nosso lado e também é feminista! Ações como levar um torcedor em estágio avançado de leucemia — que veio a falecer dias depois — ao estádio, presenteando-o e fazendo com que este realizasse seu sonho de estar junto ao time, de viver um dia de Bahia. 

Houve também um boicote à cerveja comercializada na Fonte Nova. Após uma elevação descabida no preço, o time, em parceria com a Brahma, vendeu a bebida à R$ 1 na frente do estádio e incentivou que os torcedores consumissem apenas fora. 

 

Quem não se contagia com o sorriso e o olhar do menino do centro,

não entende nada de sentimentos, tão pouco de futebol 

(Foto: Felipe Oliveira/Divulgação/EC Bahia)

 

Por fim, desde ontem, uma imagem vem enchendo o coração de todos de amor. Roger Machado, o treinador que também pode ser chamado de paizão, convidou torcedores que vendiam amendoim na entrada do Centro de Treinamento para assistirem ao treino. O sorriso de um dos meninos na foto é o suficiente para nos fazer entender a importância desse tipo de ação. Que, para quem está dentro dos clubes, é singela, mas para os meninos, por exemplo, é marcante. Certamente, ficará para sempre na memória afetiva dos mesmos. 

Ações que parecem pequenas, se vistas isoladamente. Mas, vindas do Bahia são muito expressivas, porque expõem uma luta que não é de hoje! 

O Bahia não é o time que eu cresci amando e idolatrando. Não é o time que me levou ao delírio com as conquistas e à tristeza profunda com as derrotas. Mas é o time que me faz ter uma esperança no futebol. Entre diversos casos de racismo, homofobia e machismo no mundo esportivo, o Bahia faz seus torcedores entenderem que lá isso NÃO é aceito. 

É utópico, eu sei, mas seria muito expressivo se todos os times brasileiros se inspirassem no Esquadrão de Aço. Vissem no Bahia um exemplo de relação com torcedores, com gente, com o povo! Entendessem que esse sim é O CLUBE DO POVO, e que, se quiserem usar este substantivo coletivo, vão precisar fazer muito mais do que apenas direcionar um setor com ingressos mais baratos a seus torcedores! 

 

Por: Carol Freitas,

que nutre uma esperança pelo futuro do futebol